Confesso que não estava nada à espera que viéssemos a viver um momento tão difícil quanto este que atravessamos. Temos todos uma cultura de conveniência: somos sempre bonitos, educados, temos sempre razão, nunca nos acontece nada de mal e, sabendo embora que um dia vamos morrer, alimentamos dentro de nós a ilusão de que isso não acontecerá nos tempos mais próximos porque a nossa vez ainda vem longe. Empurrar com a barriga o lado difícil das coisas é o nosso forte, humanos que somos.
Sabíamos, sabemos, que a vida tem tido montes de situações epidémicas que levam sempre milhares, milhões de pessoas. Milhões, sim. E não foi uma vez. Nem duas. Foram várias. Muitas mais do que aquelas que a história nos conta. Mas claro que nunca nos passou pela cabeça que a próxima, esta que está aí, aconteceria no nosso tempo. E, uma vez chegada, parecemos baratas tontas: não sabemos o que fazer nem como fazer; não sabemos se devemos cumprimentar ou não; se sair, se ficar; se dormir, se trabalhar; se guardar distância de um metro, se um metro por semana. Andamos autenticamente às aranhas.
Eu sou um desses. Dei o meu melhor nos últimos 15 anos para segurar este “Notícias de Vouzela” que, à altura em que lhe peguei, atravessava uma fase menos motivante que, com toda a seriedade e elegância, me foi colocada frontalmente.
Pelo afecto que tinha pelo Jornal, é verdade. Mas também e sobretudo porque sempre olhei este “Notícias de Vouzela” como uma oportunidade de intervenção da nossa região perante os poderes de submissão que os Governos centrais cultivam; porque sempre olhei este Jornal como a carta de família que anos seguidos leva a filhos seus, país ou mundo além, a notícia miúda da sua rua, da sua escola, da sua gente e do seu mundo de menino; porque me senti sempre filho desta casa, Assinante deste jornal que ainda hoje sou, pagando a sua assinatura, achei que não podia recusar o meu contributo para levar mais adiante este projecto editorial a que muitos, antes de mim, haviam conferido missão e dignidade, através de sacrifícios nunca regateados, de trabalhos nunca recusados, de desgostos nem sempre superados. Achei e acho, porque não quero estar de partida, a não ser que mãos de maior firmeza e esperança me prometam, nos prometam a mim e à região, que têm costado para prosseguir tão pesado fardo. Pesado, sim. Honroso, motivante, de passado ilustre, é certo. Mas pesado. Muito.
Com esta crise a região parou. Quem está, não está. Resiste. Galhardamente. Honradamente. Fazendo das tripas coração e dormindo com a incerteza de cada amanhã. O “Notícias de Vouzela” é parte desse mundo. Que lhe sente os efeitos de imediato, porque a publicidade desapareceu e sem ela não sobreviveremos. Hoje todo o mundo recusa dar-nos o modesto contributo de que tanto precisamos. Recusam porque não têm, ou por receio de não vir a ter. Compreendemos, não levamos a mal. Obviamente. Ninguém compreende melhor o faminto do que aqueles que tem fome.
Mas se nem tudo são rosas neste jardim que é Lafões, há todavia flores que resistem. Os nossos Assinantes têm sido extraordinários. Fantásticos. Heróicos. Notáveis. Sabendo ou imaginando as dificuldades que vivemos, têm pago a sua assinatura com a fidelidade de sempre, com a lealdade de anos seguidos, com a solidariedade de quem reconhece a nossa função. Que nobreza de carácter tem esta gente de Lafões, aqui residente ou vivendo lá longe! Que belo exemplo de um povo que sempre só comeu o seu quinhão, muitas vezes repartido por barrigas a quem muitas vezes uma malga de água matava fome e sede!
Por favor continuem. Não nos abandonem nesta altura, nunca se possível. Estendam-nos a vossa mão e digam ao “Notícias de Vouzela” vem por aqui. Tragam-nos ou façam-nos chegar a vossa assinatura porque ela vai muito para além dos 30 euros do seu custo: ela tem dentro de si uma quantia física e um valor moral. Ela traz-nos uma mensagem que nos alimenta a alma, ao dizer-nos “continuem que nós estamos aqui”.
Você, que não é Assinante, venha também. Resida aqui ou lá longe, onde a saudade lhe rói as entranhas quando recorda os bancos da escola que lhe ensinou as primeiras letras. Ou quando se lembra do seu professor/a, esses heróis que a Portugal tanto deram — mais do que qualquer exército –, raramente escutando a palavra “obrigado”. Nós, na parte que nos compete, deixamos essa palavra aqui. Deixamo-la hoje e deixámo-la ontem. Quando um dia morrermos, escutem bem o nosso último som. Ele será ainda o “obrigado” aos professores, a começar por aquele que nos aconchegava e ensinava no tempo das calças rotas, até chegar àquele que, de braço enfiado no nosso, nos lembrava os deveres do cidadão que despontava para a vida.
Venham. Venham, caros Assinantes. Estejam connosco. Ajudem-nos, por favor, a atravessar estas poldras de sacrifício que nos hão-de levar à outra margem. Venham connosco e sentemo-nos, por minutos que seja, do outro lado do rio, ali onde o sol afaga as carquejas da nossa infância.
Às empresas, instituições e demais entidades de Lafões, perto ou longe, deixamos idêntico pedido. Que não queremos vá nunca além das possibilidades de cada uma. Mas, como puderem e se puderem, ajudem-nos a segurar o “Notícias de Vouzela”. Este Jornal não quer morrer de pé. Quer viver de pé. Como Lafões, suas gentes, sua cultura, seu passado e seu destino.
Um dia, esperamos que breve, chegará a altura dos “obrigados”. Não nos esqueceremos de si, de cuja boca vêm sons de “não desista”. Se imaginasse o bem que nos fazem, compreenderia por certo que são de esperança muitas das lágrimas que ao longo da vida nos caem cara abaixo.
Lino Vinhal